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Passageira

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Acordou angústias. Seus olhos subitamente abriram. Assustada percebeu que era mais tarde que o usual. Maldita insônia, pensou. Faz com que o sono aconteça de forma parcelada. Umas tantas horas logo que adormecia. Outras tantas de olhos abertos no meio da noite. E enfim, um sono tumultuado, nunca descanso. Levantou sustos apressados. Tinha um horário agendado. Mentalmente fez as contas: tempo de preparo do café, tomada da refeição, exercícios diárias. Um tempo para pensar, abrir a casa, sentir saudades, reconhecer que enfim estava vivendo o que sempre temeu: viver só. Sentou cabeça oca. Criatividade antes tão amiga que saltava em tudo o que pensava, andava escassa. Tudo parecia sem necessidades de expor. Como se enfim a vida fizesse sentido por estar vivendo. Algo que sempre considerou sem emoção. Ou sentido. A hora marcada a chamou de supetão. Não tinha tempo para devaneios. Não estava tendo este tempo fazia muitos meses. Ou anos. Ou séculos. Que os tempos faziam uma dança de estranham

Perplexidades

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Minha alma canta Maria Rita no canal de música da TV a cabo. Logo seguido de Metamorfose Ambulante e vejo um Raul Seixas masterizado em um clipe do Fantástico dos anos do fim do século passado. Aliás a rebeldia dos anos 60 e 70 foi sendo encaixada, pasteurizada e vendida como produto. Não a toa estamos hoje nesse vácuo onde todos somos brilhantes e felizes, #SQN. As linhas de apoio dos psicólogos bombam, especialmente nos plantões de fim de semana onde, longe do trabalho diário, enfim temos tempo para nós.  Quem somos nós? Aquela velha opinião formada sobre tudo...um tempo de certezas parece tão distante de um tempo de informações rápidas e várias narrativas. A verdade corresponde ao guru da ocasião.  Como conviver com o vácuo e manter a sanidade? Depois de umas décadas dedicada a outros, me olho no espelho e tento reunir as peças de quem eu era. Antigas crenças sempre repetidas como mantra auto analisado, já não fazem parte da eu de agora. Tateio nas possibilidades de escolha para tes

Lidando com a tristeza em um dia de sol

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Tenho hábito de escrever um diário digital a cada ano. Hábito novo, na verdade comecei ano passado. Escrevo sem pensar, contando coisas que saem de dentro. Hoje, sei lá, achei que alguém podia gostar de ler. Então aí vai. Março 02/03/2024 Lidando com a tristeza. Não é fácil e não tem receita. Cada um sabe onde a dor aperta e como enfrentar a ausência do luto. Hoje acordei cansada, me sentindo só, mesmo me sabendo querida por um monte de gente, Não tive coragem de pegar o carro para a estrada conforme tinha me programado na semana. Já me conheço o suficiente para saber a diferença de um simples receio de um não devo fazer. E hoje era não devo. Respeitei. Mas não mergulhei na tristeza nem na auto piedade que toma tanto de nossa energia. Fiz tudo devagar. Um café de primeira com várias frutas, suco e café com leite. Comi devagar, saboreando. Lavei a louça como sempre faço porque não gosto de acumular sujeiras na pia. Pedalei como todo dia. 40 minutos, no mínimo. Ouvi música porque a ca

O nunca mais

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  Lembro da menina perplexa ao descobrir que as pessoas não duravam para sempre. Como assim, nunca mais pai e mãe? Era um pensamento tão absurdo e devastador que, por muitos anos, o sonho de viver em uma cidade deserta, onde as pessoas tinham evaporado, a acompanhou. Por estes privilégios da vida, o nunca mais a poupou por dezenas de anos. Perdeu a vó querida, é verdade, quando ainda era adolescente. Mas foi uma morte distante, poupada que foi da imagem fria do caixão que traz a realidade da despedida de forma mais bruta. Para ela ficaram a imagem, os cheiros, o colo da vó. Ainda hoje é isso que lembra quando se recorda dela. Perdeu tios que se foram mais cedo. Mas lembra que o primeiro impacto brutal foi quando a tia querida, irmã mais velha de sua mãe, se foi aos quase 90 anos. Vê-la em um caixão lhe trouxe uma tristeza tão profunda que lembra até hoje da roupa que usava. Um pensamento fugidio lhe veio à cabeça, ao lembrar que sua própria mãe tinha uma blusa igual. Pensou furtivament

Moradas de todos nós

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  A casa de Maria Acordou amarguras e olhou com desdém para sua cama desarrumada. Não iria alisá-la, não iria organizar nada. No máximo um lençol jogado ao lado e seguiria a vida. Seus sapatos reunidos em um encontro maluco, se olhavam, par de um com o par de outro. Os livros se empilhavam poeirentos como as mágoas que guardava na alma. Todo dia, em algum momento, pensava distraída que precisava arrumar um pouco porque perdia coisas. Aquela blusa que gostava e a tornava mais radiante. Aquela bolsa que tanto lhe trazia felicidade ao lembrar do momento em que a ganhou. Os escritos, os poemas, as anotações feitas em papéis jogados ao vento, repousavam em algum canto deserto e escondido. Maria olhou sua casa com conforto e tristeza. Era uma cópia dela mesma. Jogada para depois. Um dia, quem sabe. Hoje a correria do fazer e sobreviver chamava mais alto. Pegou a máscara do faz de conta e desceu com a cara de dia bom que sabia tão bem desenhar em seu rosto. A mesa do Joaquim Há dias Joa

O tempo

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  Um dia acordou criança.  No outro seu corpo rangia. No meio do tempo, manchas, cicatrizes e risos O caminho foi leve por fora às vezes dolorido por dentro Nada a se queixar que não fosse escolha Dessas talvez um repensar Cada decisão tomada seria refeita? Com certeza não Mas já não importa O corpo range as portas se fecham a música prestes a dar seu acorde final A menina que abria os olhos enxerga espantada alguém tão parecida com sua avó Importa? Ao mundo não, que passou um átimo as nuvens rolarão os ventos soprarão E ela? Findará em poeira e voltará ao lar

Fábula do reino em polvorosa pela ratoeira roída

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O rato roeu a ratoeira do rei de algum lugar.  O rei, incomodado por ter a sua autoridade questionada, resolveu decapitar o rato que se escondeu na floresta.  As tropas do rei, inquietas por ter uma tarefa extra e querendo chegar cedo em casa, atormentaram o padre da igreja pedindo providencias mais obtusas.  O padre da igreja, pego no meio do namoro com a jovem beata, suspirou alto, disse um palavrão e pediu aos céus uma providência para achar o rato fujão.  O deus de plantão, atrasado para os milagres da vida cotidiana e achando um acúmulo de função ter que cuidar de um mero ratinho, pegou seus raios de plantão e jogou ao bel prazer.  Um dos raios, pego de surpresa na rotina dos guardados, abriu a boca sonolento e foi trovejar forte no meio da tempestade.  A tempestade, enciumada pela escolha do raio, acometeu o palácio do pequeno rei que estava enfezado com o ratinho que tinha roído a ratoeira e com medo fugira para o mato, sendo perseguido pelas tropas reais que tinham solicitado u